segunda-feira, 29 de setembro de 2008

AQUI, ONDE O SOL NÃO BRILHA TANTO

Não somos boas pessoas. Não temos os mesmos valores que o resto do mundo. Aqui, a ética e a moral, essas duas donzelas, nunca encontrarão paz e sossego. Não conhecemos a piedade ou a misericórdia pois, aqui, essas palavras não valem tanto quanto um relógio ou uma carteira. Quando queremos algo, pegamos. Se alguém nos intimida, a resposta nunca vem tardia. Não conhecemos a lei, não reconhecemos a autoridade de homens de terno que querem nos impedir de levar a vida que escolhemos. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, há apenas duas regras: primeira, viva hoje para repetir a façanha amanhã. Segunda, faça suas escolhas, mas esteja preparado para levá-las às últimas conseqüências. Propriedade? Para nós, um papel de pessoas desonradas não significa coisa alguma. Só é seu se você puder segurar. Somos homens de fibra. Acostumados desde cedo à tortura e ao suplício. Feições duras, cicatrizes pelo corpo, cada qual com sua história. Cada história repleta de dor, angústia e sofrimento. Dos olhos, só resta pouco do brilho. O resto se perdeu na vida vida dura que aqui se sobrevive. Só os melhores conseguem vingar por essas bandas. Homens aos poucos tranformados em animais. Animais, em monstros. Da humanidade que outrora havia em cada um, resta a fala. Mesmo assim, falamos pouco. Ameaças e maldições. Somos todos amaldiçoados. Vivemos na Terra com a certeza do inferno. O nosso consolo é a certeza de que nem os dez mil graus do inferno, nem seu eterno martírio são tão ruins quanto um minuto nessas paragens. Nosso rosto é impávido, desprovido de emoção. Toda a emoção que tínhamos abandonamos ao descobrir que emoção não pára bala, emoção não quebra faca. Emoção não mata inimigo, emoção não compra perdão. Perdão, aqui, custa caro. Dentro de nós só existem três essências. Fúria, instinto, ódio. A fúria que nos mantém fortes para conseguir caminhar por sobre a terra. O instinto que, em face da morte, acelera o coração e aguça os sentidos. E o ódio, nossa força vital, nosso motivo de existir, nossa cachaça, nossa pedra de crack. Não temos esperança. A esperança há muito não dá as caras por aqui. Também não nos faz falta. Se fizesse, a disputaríamos a soco e a tiro, da mesma forma que sempre resolvemos tudo. Não há respeito verdadeiro. Aqui, o respeito tem seis janelas e se carrega na cintura. Amor, não sabemos o que é isso. Amizade, só com nossos punhos. Por aqui, seu único amigo é você mesmo, e mesmo assim, sujeito a traições. Somos adeptos das alianças provisórias. Meu inimigo hoje é meu aliado amanhã, meu assassino semana que vem , meu algoz eternamente. Se de manhã juramos lealdade, à tarde nos desentendemos, à noite somos rivais, de madrugada nos assassinamos. Errantes natos, seguimos um único caminho: o rastro da bala, ora perseguindo-a, ora com ela pelas costas. Nossos destinos são talhados à ponta de faca. Aqui, o preço da vida é tabelado: nove gramas de chumbo cada, à vista, sem desconto. Aqui, não tem paz, nem luz, nem Deus. E se o Tinhoso, o Capeta em pessoa, deixar a segurança e o conforto do seu reino do inferno para conhecer este lugar, que venha de carro blindado e com a alma encomendada.

sábado, 27 de setembro de 2008

Três? Trinta? Treze. Muleque.

"Garoto, pivete, fedelho.
Muleque.
Chato, xarope, pentelho.
Muleque.

Do auge dos meus dezessete,
contemplo meus treze
em que tinha saudades
dos meus três.
Vontade
dos meus trinta.

Doritos, chiclete, Nescau.
Muleque.
Menino. Gente ou animal?
Muleque.

Aqui, nos meus dezessete,
saudosa a limonada do treze.
Não o leite dos três.
Não o destilado dos trinta.

Agora, aos dezessete,
viva o prazer solitário dos treze!
Não a inocência dos três.
Não a luxúria cachorra dos trinta.

Não, dezessete!
Quero a despreocupação dos treze.
Abaixo o esquecimento dos três!
Morte à neurose dos trinta!

Não, dezessete!
Abençoada a mulecagem dos treze!
Esqueça a criancisse dos três,
a adultidade escrota dos trinta!

Treze!
O brilho dos olhos,
o chamego da avó,
o doze do dez.
Idade muleque.

Treze!
Beijo do pai!
Beijo da mãe!
Beijos às escondidas!
Idade muleque!

Treze!
Tudo muito fácil?
Tudo muito difícil?
Não, tudo resolvido!
Ah, minha idade muleque!

Treze!
Que menino inteligente!
Que menino educado!
Pura e simplesmente,
que menino muleque!

Treze!
Não três,
nem trinta.
Jamais dezessete.
Treze! Muleque!

Pois é, meu caro dezessete.
Ontem, três.
Amanhã, trinta.
Para sempre,treze.
Para sempre, muleque."