domingo, 10 de maio de 2009

Desde que eu deletei aquela vadiazinha no inferninho da 1º de maio resolvi ficar na miúda. Parei pra pensar quando cheguei no meu mocó. Uma pá de gente me viu subir pro quarto com ela. Claro que não tem macho nenhum pra me caguetar naquele lugar, mas vai saber né? E se um pela-saco qualquer me denuncia pros canas? É xadrez certo. E dessa vez até morrer, o que com o monte de inimigos que eu fiz por lá pode ser em dois palitos.

Eu sei que tem uns tiras que frequentam aquele puteiro. Mas são todos corruptos. Um deles até me ajudou a escapar daquele caso dos paraguaios. Todos têm o rabo preso com alguém. O esquema é descobrir com quem, depois dar um jeito de receber uns favores desse cara. Mas não vale a pena se esquentar com isso.

Uns dois dias depois daquele incidente na 1º de maio quem me ligou foi o Brandão. Um figurão dono de transportadora que vira e mexe me pedia uns serviços. Geralmente era só uma surra num cara que tava devendo ou um sumiço num coitado que tivesse roubado uma carga. Pagava bem e garantia que os nairas não iam incomodar. Mas dessa vez vez era diferente. Era um cana que ia encontrar com o criador. E do jeito mais difícil. Um investigador da Central tinha pegado pesado com a neta dele.

Uma vadiazinha de dar água na boca. Putinha mesmo. Daquelas piranhinhas de classe média que botam minissaia e ficam rebolando em cima dos muleques. No lugar do tira eu faria o mesmo. Não é errado arrepiar uma piranha que quer ser arrepiada, mas o velho tava pagando alto e eu tava mesmo precisando duns miúdos.

Mas o Brandão queria o serviço completo. Daqueles que saem nos jornais e viram assunto de sermão nas missas. O velhote falou que eu podia fazer tudo que eu quisesse, com uma condição: o corpo tinha que ficar irreconhecível. Ia precisar da identificação no bolso do presunto pra dar baixa na União. No começo eu pensei em tocar logo fogo na porra toda. Um galão de gasolina e uma guimba de cigarro e pronto, missão dada, missão cumprida. Mas nessa hora me deu um estalo. Uma ideia genial. Um cliente tão bom quanto o Seu Brandão merecia um serviço de qualidade. Ia ser foda. Por baixo, eu ia precisar de um lugar mocado no meio do mato, uns dez dias de ação, dois capangas e um especialista em cachorros.

Desafiador

Então eis que, por fim, se fazem presentes nesse momento as malcriações, admitidas e confessadas, de cujos desenlances ainda reverberam as consequências e os conseguintes até o corrente momento. Desejar até podes de meu nome de papel e de batismo tomar conhecimento, pois, afinal, os desejos e almejos de qualquer pessoa só à própria competem. Entretanto, e disso explicar-me-ei nas subsequentes paragrafações, o acaso, e não mais do que o acaso, me tasca impedimento acerca da revelação de meu chamamento. Mas como saber pode o assisado leitor de quem trata a corrente discorrência? Discorrência tal que trata dos impropérios que dita o destino contra esse que por sobre o papel corre a caneta. Pois para que de maneira rápida, prática, simples e indolor possamos contornar esse infortúnio, garantindo assim tanto minha própria privacidade quanto vossa augusta segurança, proponho que, doravante, por mim mesmo e por aqueles que baterem sobre esse volume as vistas, seja eu citado sob a alcunha que me foi impingida quando ainda no berço: Desafiador.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Glória e Honra.

Ele chega em casa cansado do trabalho. O trânsito estava horrível. Choveu o dia inteiro. A diretora ligou dizendo que o filho brigou na escola. A filha reprovou na faculdade. O cheque da prestação do carro voltou. Quando chega em casa a mulher diz que a máquina de lavar louça quebrou. O homem veio fazer o orçamento pra consertar, trezentos reais. Os trezentos reais que ele estava reservando no salário pra comprar o agasalho novo do seu time. A filha diz que o semestre da faculdade que ela vai ter que repetir custa mais seiscentos reais por mês.

Hora do jantar. Dia de macarrão. Toda semana o mesmo macarrão com carne moída sem graça e um Tang de Laranmaçãmelangoiabaçu aguado. A sogra vem visitar no fim de semana. Trazer um "presentinho pras crianças". Cada vez que ela vem "trazer um presentinho pras crianças" acaba falando mal do seu salário. Jornal Nacional. Vão aumentar a gasolina. Vão baixar os salários. Vai subir o dólar. Vai cair o time. Ele não sabe porque ainda assiste o Jornal Nacional. Desliga na metade. Vai ler um livro. "Cadê aquele livro do Machado de Assis?" Emprestou pro irmão da sua mulher. Nunca mais vai ver o livro. Nem o DVD do Poderoso Chefão. Nem o do Toma Lá Dá Cá. Nem a churrasqueira elétrica, a calculadora científica, o serviço de queijo. Chega! Vou acabar me irritando. Quer saber? Abre o freezer. Tira uma taça gelada. Caraca! Ainda lembro quando o cumpadre me deu essa taça no meu aniversário de quarenta anos. Um jogo de doze. Foi numa churrascaria. Tava lá o Tio Toninho. Saudades dele. Eu vivia dizendo pra ele não correr tanto. Mas diga-se em defesa da verdade que ele nunca bebia quando sabia que ia dirigir. "Bebida e direção é correr na contramão", é o que ele sempre dizia. Só depois do acidente é que eu passei a fazer igual a ele. Grande Tio Toninho. Só restam duas taças dessas. Vou cobrar mais um jogo do cumpadre quando ele vier visitar a gente. Por que diabos ele foi morar em Cuiabá?

Abre a geladeira. Só tem duas. Cacete! Devia ter comprado ontem. Na casa da praia que era bom. Nunca faltava. Comprava de grade. Nunca menos que três. Maldita doença que eu fui ter. Só serviu mesmo pra vender a casa. Vou parar de ir no médico. Cada vez que eu vou tenho que vender alguma coisa pra pagar tratamento. Cadê aquele abridor que o chefe trouxe da Europa? Cara, aquilo que é um chefe. Nunca precisou me dar uma bronca. Nunca vou esquecer quando ele voltou daquele evento na Europa e me chamou num canto e disse: "lembrei de você lá cara. Vi numa loja e não pude deixar de trazer. Só não deixa ninguém ficar sabendo que é capaz de pegar mal." Isso sim é um abridor. Cabe certinho na palma da mão. E é do Werder Bremen. Queria ter nascido na Alemanha só pra torcer pro Werder Bremen.

A camisinha que ele roubou do bar do Seu Getúlio. Roubei nada! O Seu Getúlio apostou comigo na sinuca. Jogaço! Decidido numa bola oito escondida atrás de uma cinco e de uma dois dele. Um efeito suave pra esquerda e tá lá! Direto na caçapa do fundo! Depois daquilo Seu Getúlio só me chamava de Rui Chapéu. Pena que ele se mudou pro meio da Paraíba.

Coloca a garrafa na camisinha. Abridor. Tsstloc! Se lembra como falava pra galera da faculdade fazer silêncio quando ia abrir. O coruja imitava o barulho certinho. Volta e meia pedia pra ele fazer o barulho no meio da aula do Jefferson, só pra quebrar a chatice e pensar que estava num boteco. Servia pra todo mundo. Sérgião, Coruja, Mimoso, o cumpadre, e pros gêmeos, Frederico e Ricardo. Fazia questão de servir a primeira. Sempre o mesmo brinde: "Que essa nunca pare, que esse nunca falhe e que a fonte nunca seque. À nossa!" Caralho! Quando me falaram que a faculdade é a melhor época da vida eu não acreditei.

Enche a taça. Ô coisinha bonita. Sempre perguntava pro cumpadre: "que cor é essa?", e ele respondia: "Dourado!". Puta que pariu! Isso é lindo. Parece ouro liquefeito jorrando do seio de uma loura safada. Ouro liquefeito jorrando do seio de uma loura safada, com neve dos alpes em cima. Ouro liquefeito jorrando do seio de uma loura safada, com neve dos alpes em cima, e com sabor de lágrimas de alegria dos anjos. A boca enche de saliva. Os olhos brilham. Segura a taça como se estivesse segurando o primeiro filho. E o tempo parece se arrastar uma eternidade enquanto a taça deixa a mesa e não chega aos seus lábios. Os deuses no céu começam a cantar. A luz da Lua ilumina a taça como se fosse o maior tesouro da humanidade. Seu corpo inteiro se prepara para o choque de prazer que vai se apoderar dele em poucos instantes. A taça quase congela os lábios. O líquido enche sua boca. Enche cada espaço. Suas papilas gustativas atingem o êxtase. Sua língua treme de prazer. O sabor amargo preenche cada célula do seu corpo. Sua existência está toda focada no líquido precioso descendo pela garganta e gelando o abdômen. Tudo vale a pena nesse exato momento, porque, nesse exato momento, ele se sente completo. Nesse exato instante tudo em que ele consegue pensar é "Glória e Honra ao inventor da Cerveja!"




obs.: agradeço ao Gordo e ao Fi por estarem presentes em todos os momentos nessa semana que passou e terem compartilhado das cervejas que serviram de inspiração para esse texto.